sábado, 3 de agosto de 2013

Desigualdade Social: Portugal e os Outros (III)



No presente artigo completamos alguns aspectos dos precedentes (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html, http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os_17.html). Dividimo-lo em duas secções: 1-Desigualdade Social; 2-Pobreza.
*    *    *
1 - Desigualdade Social
No artigo anterior observámos a evolução temporal da desigualdade social (medida pelo índice de Gini, IG) de alguns países que passaram por transformações económicas e sociais importantes. As observações evidenciam uma diminuição da desigualdade social na sequência de revoluções que conduzem a um sistema superior de relações sociais de produção, e, inversamente, um aumento da desigualdade na sequência de uma regressão para um sistema inferior (retrógrado) de relações sociais de produção.
Mas há mais a dizer sobre isto. A figura abaixo ([1]) mostra a evolução do IG, segundo os dados da OCDE, em 33 economias capitalistas desenvolvidas (aquelas que são estudadas pela OCDE). A evolução é representada em termos do valor médio do IG relativamente a meados dos anos oitenta (a que foi atribuído o valor 100 para fins comparativos). Vemos que em 2011 o IG subiu em média 10% face ao valor de meados dos anos oitenta. No período anterior a tendência nos países da OCDE era para o IG baixar (ver exemplos no artigo anterior). Foi a introdução das políticas neoliberais nos anos oitenta (Reagan e Thatcher), que levou ao crescimento do IG. As recentes medidas de austeridade têm continuado a sustentar o aumento de desigualdade, com as camadas pobres a ficarem mais pobres e as camadas ricas a ficarem ainda mais ricas. Um exemplo gritante é precisamente o de Portugal onde o número de milionários tem aumentado e os que já eram ricos têm ficado ainda mais ricos (conforme recentemente noticiado nos jornais).


O crescimento do IG médio nos países da OCDE a partir dos anos oitenta.

Na figura a seguir representámos a evolução mediana do IG para todos os países do mundo (para os quais há valores de IG; ver [2]) a traço preto, com uma curva de tendência a vermelho. A partir de meados dos anos oitenta, embora nos países capitalistas desenvolvidos se observasse uma tendência de crescimento do IG, não se pode dizer que tal tendência fosse observável a nível mundial. A tendência de aumento da desigualdade social a nível mundial só se verificou a partir de cerca de 1992; isto é, a partir da destruição dos sistemas socialistas da URSS e do leste europeu. Tal destruição, conforme referem vários autores (ver, em particular, [3]), para além de ter imposto o capitalismo mafioso na URSS e noutros países, acabou com as ajudas dos países de economia socialista aos países do terceiro mundo, sustentando-os nas lutas que travavam contra a penetração rapace do imperialismo, e permitiu total liberdade ao imperialismo para conduzir políticas de exploração e opressão económica em quase todo o mundo, ligando os interesses dos monopólios imperiais aos interesses das burguesias locais, com o aumento das desigualdades sociais e da pobreza.


Evolução do IG mediano para todos os países do mundo no período de 1960 a 2010, a preto, com curva de tendência a vermelho.

2 - Pobreza
Fizemos notar na parte I (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2013/07/desigualdade-social-portugal-e-os.html) as insuficiências da utilização de um limar relativo de pobreza, do tipo «60% da mediana da distribuição do rendimento» tal como é usado no Eurostat (com a agravante da estranha visão do Eurostat tendente a exibir uma imagem da Europa sem pobreza: http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2012/11/os-10-e-os-25-do-fundo.html).
O Banco Mundial (BM) avalia a pobreza dos países em termos de limiares absolutos: 1,25, 2 ou 2,5 dólares de 2005 por dia e em paridade de poder de compra (PPC). Até aqui tudo bem. Resta saber o que faz o BM com os números que recolhe e estima.
Considere-se a notícia trombeteada em 29 de Fevereiro de 2012 por várias agências de notícias de que segundo o BM a pobreza a nível mundial tinha declinado entre 2005 e 2008. Na versão divulgada pela Bloomberg: «O Banco Mundial disse hoje que o número de pessoas que vivem com menos de 1,25$ por dia declinou entre 2005 e 2008». Uma das principais missões do BM -- instituição apresentada como uma espécie de cooperativa onde figuram 5 instituições e 187 países (mais pormenores em futuro artigo) --, é proclamada como: «Ajudar governos de países em desenvolvimento a reduzir a pobreza através de fornecimento de dinheiro e de conhecimentos técnicos que necessitem num largo leque de projectos». De facto as «ajudas» de instituições como o BM, hegemonizadas pelos EUA e vocacionadas para defender os interesses do capitalismo e do imperialismo, são frequentemente presentes envenenados. Mas, claro, o BM e outros agentes do capitalismo procuram sempre fazer passar a mensagem de que estão a resolver questões sociais a nível mundial.
Concretamente, será que é verdade que a pobreza a nível mundial declinou entre 2005 e 2008? Vamos analisar esta questão.
*    *   *
O BM procura obter dados fiáveis sobre indicadores de pobreza dos países que solicitam ajuda. Conforme descrito na respectiva folha informativa do BM ([4]) é usual os dados serem obtidos por aplicação de modelos matemáticos a valores reais provenientes de inquéritos a amostragens de famílias. Com base em tais modelos o BM quantifica a percentagem da população cujo rendimento diário (note-se: rendimento individual e não de agregado familiar) está abaixo de um certo limiar. Na informação disponibilizada na Internet, e que vai de 1978 até à actualidade, são estabelecidos dois limiares -- 1,25 e 2 dólares de 2005 em PPC. Este trabalho do BM é seguramente útil e feito, parece-nos, com o rigor possível.
Vejamos o que podemos inferir do repositório de dados do BM para 1,25$ ([5]). Ao respectivo indicador, percentagem da população que vive diariamente com menos do equivalente a 1,25 dólares de 2005, chamaremos POB1,25. Comecemos por referir que um elevado número de países não tem qualquer entrada no conjunto: para além de muitos países europeus também não aparecem quaisquer dados (seja de que ano for) de outros países; supostamente nunca foram avaliados pelo Banco ([6]) no citado período. Apenas constam 102 de 214 estados e regiões autónomas. Além disso, para estes 102 países faltam valores do POB1,25 para muitos anos: o conjunto de dados é muito rarefeito. O ano com mais valores do POB1,25 no conjunto de dados é 2008 e tem entradas para 47 países. Podemos desde já fazer uma observação para estes 47 valores: a correlação com o índice de Gini (0,25) não é estatisticamente significativa. Na figura abaixo vemos que há países com IG semelhante e POB1,25 muito diferente (casos de Moçambique e Uruguai) bem como países com POB1,25 muito semelhante e IG muito diferente (casos do Paquistão e Honduras).



Diagrama de dispersão de IG e POB1,25 (2008).

Passemos à avaliação do POB1,25 no período de 2005 a 2008. Surge um embaraço devido à rarefacção do repositório: os países que têm dados em todos esses anos são muito poucos e, obviamente, não podemos comparar anos em que entram uns países com outros anos em que entram outros. Como o ano terminal do período em causa é 2008, é-se desde logo obrigado a efectuar uma primeira operação preliminar: remover todos os países que não têm dados em 2008. Efectivamente, para poder efectuar uma análise fundamentada sobre descidas e subidas do POB1,25, para um número representativo de países e um intervalo temporal tão grande quanto possível, procedemos às seguintes operações:
a)      Eliminámos países sem valor do POB1,25 no ano de 2008, um dos anos com mais entradas no repositório: 47 países.
b)      Eliminámos países com dois ou menos valores.
c)      Considerámos um intervalo temporal abrangendo o intervalo de interesse (2005 a 2008) com menor rarefacção e boa representação dos vários continentes.
d)     Eliminámos os países que não têm valor de entrada num ano antecedendo o ano inicial do intervalo considerado em c), já que não permitem interpolações iniciais.
e)      Procedemos a interpolações lineares ([7]) para os anos em falta.
Com estas operações preliminares obteve-se a tabela abaixo com dados completos para 37 países (11 da Europa, 12 da América do Sul, 9 da Ásia e 5 de África), mais de um terço do total de países com valores no repositório.

Valores de POB1,25 para 37 países. Dados do Banco Mundial completados por interpolação linear (valores interpolados a sombreado).

1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
ARG
1,8
2,1
1,9
3,9
4,3
3,8
4
4,2
5,1
8,3
12,6
9,8
6,3
4,6
3,7
2,7
1,9
BLR
0,02
0
0,2
0,4
0,57
0,73
0,9
0,6
0,3
0,5
0,6
0,4
0,2
0,2
0,1
0,1
0,1
BOL
6,85
8,5
10,7
12,9
15
17,2
20,3
23,3
26,9
21,4
22
20
19,5
18,2
16,2
13,1
15,6
BRA
17,9
17
14,2
11,3
12,4
12,3
11
11,4
11,6
11,8
10,6
11,2
9,8
8,5
7,6
7,1
6
CAF
83,2
81,3
79,4
77,5
75,6
73,8
71,9
70
68,1
66,2
64,3
62,4
62,5
62,6
62,6
62,7
62,8
CHN
63,8
53,7
59,8
54,1
36,4
47,8
48
35,6
33,2
30,8
28,4
24,4
20,3
16,3
15,2
14,2
13,1
COL
6,3
7,98
9,65
11,3
13
14,1
15,1
16,2
17,9
19,2
20,3
19,6
19
12,7
11
8,8
11,3
CRI
8,1
6,9
5,8
6
7
5,3
4,2
5,4
5,5
6
6
5,8
5,3
3,9
4
2,2
2,4
CIV
17
17,8
19,5
21,1
22,1
23,1
24,1
23,9
23,7
23,5
23,3
23,4
23,5
23,6
23,6
23,7
23,8
HRV
0,04
0,05
0,06
0,07
0,08
0,09
0,1
0,2
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
DOM
4,7
4,7
4,7
4,7
4,7
5
5,07
5,13
5,2
3,7
5,7
6,6
8,1
6,1
4,2
3,8
3,3
ECU
13,8
13,9
14,1
10
11,5
13
14,5
23,9
20,7
17,9
15,0
12,2
10,7
9,1
6,1
7,2
6,5
EGY
4,1
3,7
3,3
2,9
2,5
2,33
2,15
1,98
1,8
1,84
1,88
1,92
1,96
2
1,9
1,8
1,7
SLV
15,3
13,6
11,8
10
11,5
14,5
17,4
13,8
14,1
14,4
14,8
13,3
11,5
11,6
5,3
6,6
5,4
HND
27,3
23,5
35,9
27,3
31,4
20,6
25,5
25,4
21,7
18
28,2
26,2
25,3
26,4
22,9
16,3
21,4
IDN
54,4
54,4
50,7
47,1
43,4
44,8
46,7
47,7
41,6
35,4
29,3
26,7
24,0
21,4
28,6
24,2
22,6
JOR
2,8
2,54
2,28
2,02
1,76
1,5
1,45
1,4
1,35
1,3
1,25
1,2
0,93
0,67
0,4
0,25
0,1
KAZ
3,36
4,2
4,47
4,73
5
6,72
8,44
10,2
11,9
13,6
5,2
3,1
1,7
1,05
0,4
0,2
0,1
KGZ
14,9
18,6
21,2
23,9
26,5
29,2
31,8
32,4
32,9
33,5
34
24,1
14,2
22,9
5,9
1,9
6,4
LAO
55,7
54,4
53,1
51,9
50,6
49,3
48,4
47,2
46,2
45,1
44
42,3
40,6
39,0
37,3
35,6
33,9
LVA
0
0
0
0
0,4
0,6
0
0
0
0
0
0,4
0,3
0,27
0,23
0,2
0,1
LTU
1,78
2,2
1,47
0,73
0
0,15
0,3
0,3
0,3
0,4
0,4
0,4
0,4
0,35
0,3
0,25
0,2
MRT
42,6
42,8
36,4
30
23,4
22,9
22,3
21,8
21,2
22,3
23,3
24,4
25,4
24,9
24,4
23,9
23,4
MEX
4,8
4,2
3,6
5,75
7,9
8,25
8,6
7,05
5,5
4,7
3,9
2,75
1,6
1,15
0,7
0,95
1,2
MDA
17
16,6
16,2
15,9
15,5
15,1
27,2
39
32,8
26,5
17,5
6,8
8,1
12,5
2
0,9
1,1
NER
72,8
75,5
78,2
75,7
73,1
70,6
68,0
65,5
62,9
60,4
57,8
55,3
52,8
50,2
48
45,8
43,6
PAK
61,9
59,2
56,4
53,6
50,9
48,1
38,6
29,1
31,1
33,2
35,9
31,5
27,0
22,6
22,6
21,8
21
PRY
5,2
7,3
9,4
11,5
11
10,5
13
14,2
12,7
11,1
15,8
10,7
8,1
7,2
10,9
8,8
5,6
PER
12,5
12,7
12,9
8,93
4,97
1
14,3
15,8
12,4
14,5
12,4
9,5
7,4
8,6
7,2
7,9
6,2
POL
0
4,2
3,27
2,33
1,4
0,75
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
ROU
0,4
0,45
5
4,18
3,35
2,53
1,7
2,7
3,7
2,7
2,9
1,9
1,4
1,2
1
0,8
0,5
RUS
1,3
1,5
1,93
2,37
2,8
2,63
2,47
2,3
1,6
0,9
0,3
0,3
0,1
0,2
0,1
0
0
SVK
0
0,08
0,15
0,23
0,3
0,29
0,28
0,26
0,25
0,24
0,23
0,21
0,2
0,2
0,1
0,1
0,1
THA
8,6
6,35
4,1
3,3
2,5
2,3
2,1
3,2
3
2,3
1,6
1,48
1,36
1,24
1
0,7
0,4
TUR
1,87
1,99
2,1
2,09
2,08
2,06
2,05
2,04
2,03
2,01
2
2,5
2,4
2
1,5
1,1
0
UKR
0
0,67
1,33
2
1,9
1,93
1,97
2
1,5
1
0,5
0,2
0,3
0,1
0,1
0,1
0
URY
0,9
0,8
0,7
0,6
0,7
0,6
0,8
0,65
0,5
0,6
0,8
1
1,2
1,4
0,7
0,5
0,3

Note-se que a tabela respeita inteiramente os dados do BM; apenas os completa de uma forma estatisticamente correcta: na ausência de informação o modelo de proporcionalidade por interpolação linear é o modelo que melhor se comporta em termos médios. Das 629 entradas da tabela 271 entradas (43,1%) foram completadas por interpolação.
Com base na tabela é agora possível calcular um valor médio do POB1,25 no período considerado. O gráfico do POB1,25 médio é mostrado na figura seguinte. Verifica-se que houve um declínio do POB1,25 médio a partir de 1999 e até 2008; isto é, a notícia da Bloomberg em sentido lato é verdadeira. Contudo, e ao contrário do que a notícia pode levar a crer, de 2007 para 2008 quase não houve descida e, além disso, a maior descida do POB1,25 médio no período 1999-2008 não foi a de 2005 para 2006 (1,27%) mas sim a de 2002 para 2003 (1,6%). Acresce que descidas do POB1,25 médio já se tinham verificado no passado; por exemplo, de 1994 a 1995 verificou-se uma descida de 0,91%, enquanto a descida de 2007 para 2008 foi bem menor: 0,11%.


POB1,25 médio dos países da tabela anterior.

Mas há mais a dizer quando se analisa a evolução do POB1,25 dos países separadamente. Concretamente, determinemos quantos países viram o seu POB1,25 diminuir no período de tempo considerado (17 anos).
Se, de forma simplista, tomarmos apenas em conta os anos inicial e final (1992 e 2008) a resposta é: 25 em 37 países (67,6%). É uma resposta que proporciona uma visão optimista mas enganadora. De facto, uma diminuição de 1992 para 2008 pode ser meramente acidental: existem muitas maneiras de escolher um ano inicial e um ano final para obter resultados optimistas! Uma possível alternativa seria determinar a diferença entre os extremos (máximo e mínimo) do POB1,25 no citado período. É, todavia, uma alternativa não razoável, porque: a) tal valor ocorre em anos diferentes nos vários países; b) pode corresponder a um acréscimo em vez de um decréscimo; c) pode ocorrer multiplamente. Por exemplo, o máximo e o mínimo do POB1,25 para a Jordânia ocorrem nos anos terminais (1992 e 2008) e verifica-se um decréscimo (de 2,7%); já para a Bielo-Rússia os extremos (máximo e mínimo) ocorrem em 1993 e 1998 e verifica-se um acréscimo; para a Letónia o máximo ocorre em 1997 (0,6%) e verifica-se existir uma multiplicidade de mínimos (0%) correspondendo a um decréscimo para alguns e a um acréscimo para outros.
De facto, a pergunta que parece mais razoável colocar é esta: ao chegar a um ano final de referência, digamos 2008, será que, baseados na amostra de 37 países, se pode concluir ter havido uma diminuição significativa da pobreza por se ter atingido o nível mais baixo do POB1,25? A resposta baseia-se no cálculo da diferença entre o valor correspondente a 2008 e o valor mínimo obtido desde o ano inicial de referência (1992) até ao penúltimo ano ([8]): 2007. O resultado é 12. Só 12 países (menos de um terço do total) chegam a 2008 com um POB1,25 menor do que já alguma vez tinham conseguido no passado (remontando a 1992). Uma resposta bem pessimista! Efectivamente, não se verificou, deste ponto de vista, nenhum progresso relativamente a 2006 e 2005 e até se verificou um retrocesso relativamente a 2007! Estas constatações ilustram bem o cuidado que é necessário ter quando deparamos com declarações optimistas de entidades oficiais baseadas em resultados médios (ou acumulados: somas). Conclusões semelhantes se retirariam se em vez do limiar 1,25$ se usassem outros limiares.
As figuras abaixo foram produzidas com os dados do BM ([9]), Mostram os milhões de pessoas, em várias regiões do mundo, que vivem abaixo de um certo limiar de rendimento diário, no período de 1981 a 2008. Para além dos habituais 1,25 $/dia e 2 $/dia, mostramos também a evolução para o limiar de 4 $/dia, valor próximo da média do RSI (rendimento social de inserção, [10]).

POB1,25
POB2
POB4
População (em milhões) que vive abaixo de um dado limiar diário de rendimento. De cima para baixo: POB1,25=1,25 $(2005)/dia, POB2=2 $(2005)/dia e POB4=4  $(2005)/dia.

Uma descida clara dos níveis de pobreza em todos os indicadores (POB1,25, POB2 e POB4) apenas se verifica nos países da Ásia Oriental e Pacífico. Para o POB1,25 verifica-se uma subida de 1981 para 2008 nos países da África subsariana, Ásia do Sul, Médio Oriente e Norte de África (pequena neste caso). Esta constatação complementa e apoia a nossa análise anterior. A situação da evolução da pobreza agrava-se quando se consideram limiares mais realistas, como o POB4 correspondente ao nosso RSI. Neste caso, as subidas são enormes em todas as regiões do mundo com excepção da Europa e Ásia Oriental e Pacífico. È claro que, tratando-se de valores acumulados, cada uma das regiões envolve situações diversas dos respectivos países. Assim, embora na Europa, na sua totalidade, haja descida da pobreza pelo POB4, o que é certo é que tal não se verifica em certos países, como Portugal, onde em vez de descer tem vindo a subir.
Note-se que na evolução do POB4 ainda se verifica uma pequena tendência (acumulada) de descida de 2002 para 2008. Se usássemos o POB5 tal tendência seria muito reduzida (quase nula).
Em suma, todas estas observações não suportam a visão optimista de que finalmente a pobreza está a descer em todo o mundo. Pelo contrário, a pobreza a nível mundial tem vindo a subir de modo significativo. As razões deste fenómeno são as mesmas que apontámos acima para a desigualdade social e que podemos resumir assim: imperialismo neroliberal à solta, sem países socialistas para o refrearem.
*    *    *
Os meios de comunicação social, dominados pelos capitalistas, constantemente procuram incutir nos cidadãos, directamente ou por formas sub-reptícias, a ideia de que a existência de pobreza é uma necessidade, nomeadamente pela falta de recursos para acabar com a pobreza. Na realidade a questão da pobreza não é uma questão da falta de recursos, mas sim uma questão da distribuição de recursos e de políticas sociais adequadas, nomeadamente as conducentes ao pleno emprego. Questões que o capitalismo, por sua própria natureza, é incapaz de resolver.
Vamos citar aqui apenas os títulos esclarecedores de dois artigos bem fundamentados da Oxfam, uma confederação internacional de 17 organizações representadas em mais de 90 países que estuda o problema de construir um «futuro livre da injustiça da pobreza»:
1 - «O rendimento anual das 100 pessoas mais ricas de todo o mundo seria suficiente para acabar quatro vezes com a pobreza global»: http://www.oxfam.org/en/pressroom/pressrelease/2013-01-19/annual-income-richest-100-people-enough-end-global-poverty-four-times
2 - «Os impostos sobre os biliões "privados" que estão hoje escondidos em paraísos fiscais seriam suficientes para acabar coma pobreza extrema, a nível mundial, duas vezes»: http://www.oxfam.org/en/eu/pressroom/pressrelease/2013-05-22/tax-havens-private-billions-could-end-extreme-poverty-twice-over .

Referências
[3] Roger Keeran, Thomas Kenny (2004) O Socialismo Traído. Por trás do colapso da União Soviética. Edições Avante! (Roger Keeran é professor no SUNY/Empire State College e Thomas Kenny é economista).
[4] Income Poverty: Data Availability and Analyses Tools (World Bank).
[5] http://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.DDAY (consultado em Abril de 2012).
[6] Presume-se que devido a nunca terem solicitado ajuda.
[7] A interpolação linear entre dois valores rodeando valores em falta, preenche esses valores segundo uma regra simples de proporcionalidade.
[8] Note-se que o mínimo não se altera com a operação de interpolação efectuada na tabela.
[10] O Relatório do ISS de 2008 indica 84,9€ como o valor médio mensal do RSI. Este valor corresponde a 2,83€/dia. Tendo em conta a correspondência em PPC do dólar e do euro em 2008 (http://stats.oecd.org/Index.aspx?datasetcode=SNA_TABLE4), este valor corresponde a 4,35 $/dia. A diferença entre o dólar de 2005 e de 2008 é pouco importante.