domingo, 17 de novembro de 2013

O sector financeiro. V: O «caso» BPN

Em 2 de Novembro de 2008 o Governo PS de José Sócrates anunciava que ia propor à AR a nacionalização do Banco Português de Negócios (BPN), devido à descoberta de um «buraco» de 700 milhões de euros, que teria sido durante anos ocultado ao Banco de Portugal (BdP). Na realidade o «buraco» era cerca de 11,8 vezes maior (8,3 mil milhões de euros, pelo menos; está sempre a aumentar) e não esteve oculto do BdP, antes o BdP ocultou-o aos portugueses. 

O então ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, justificou na AR a medida com a situação «excepcional», «delicada» e «anómala» do BPN -- muitos adjectivos, zero esclarecimentos --, alegando existir o perigo de um contágio ao restante sector bancário, o chamado «risco sistémico».

O BPN foi nacionalizado nesse mesmo mês de Novembro pelo Governo PS. Nacionalizado apressadamente, sem inquérito aos factos, sem apresentação de toda a documentação que se lhes referia, salvando os vilões de responsabilidades. A primeira nacionalização em Portugal desde o 25 de Abril, a primeira e única nacionalização de iniciativa PS, viria a revelar-se uma espantosa burla política, uma espantosa ocultação da maior fraude do século, envolvendo figuras gradas do regime: políticos do PSD (na fraude) e do PS (na falha da entidade supervisora e na nacionalização).

A verdade tem vindo a ser descoberta pouco a pouco, cada vez com a exposição de mais ilegalidades, de mais sujeiras. É uma verdade que retrata bem a extrema podridão a que chegou o regime político, ao serviço do grande capital, instalado em Portugal pela mão do PS em 25 de Novembro de 1975 e amadurecido, desde então, pelo PS, CDS e PPD/PSD.

Na realidade, a podridão que emana do «caso BPN» é tal, que Cândida Almeida, numa entrevista recente (8/8/2013) depois de ter deixado a chefia do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), não se coibiu de se lhe referir desta forma: «Aquilo é um mundo, um mundo… Mexe-se na terra e sai minhoca por todo o sítio».
   
Oliveira e Costa e Dias Loureiro, dois dos principais arguidos do caso BPN, com Cavaco Silva também «contaminado» pelo caso, estiveram juntos no Governo e foram accionistas da SLN. Nesta foto (da Lusa), o Presidente visita mais um negócio ruinoso do grupo, desta vez no sector automóvel. Não eram, porém, os negócios oficiais do BPN que verdadeiramente interessavam os arguidos do BPN; eram, sim, as actividades fraudulentas.
   
A nossa apreciação do «caso» BPN está estruturada nas seguintes secções:
   
1 – Preliminares
2 – Fraudes
            2.1 O esquema básico
            2.2 Alguns casos concretos
            2.3 Um banco que dava milhões ao «bando»
            2.4 O engodo das taxas de juro elevadas
3 – Nojeiras para todos os gostos
4 – Os processos e os arguidos
5 – A «nacionalização» PS do BPN e seus custos
6 – A estranha negligência do BdP e o incrível Constâncio
7 – O inquérito parlamentar e seu esvaziamento pelo PS
8 – A reprivatização: entrega do BPN ao BIC
   
*    *    *
   
1 - Preliminares
   
O BPN foi criado em 1993, por fusão de duas sociedades financeiras de investimentos (ver, p. ex., wikipedia). Em 1998, Oliveira e Costa, economista, militante do PSD, antigo quadro do BdP e Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do governo de Cavaco Silva (Miguel Cadilhe era o ministro das Finanças) torna-se presidente do BPN, transformando-o num banco comercial e pondo em prática, alegadamente, uma estratégia de investimento em sectores de actividade como a indústria dos cimentos e dos polímeros. É criada a Sociedade Lusa de Negócios (SLN), «holding» destinada a agregar os investimentos não financeiros do grupo.
   
Para além do BPN, a SLN detinha empresas na área da tecnologia (Seac Banche, I2S, Datacomp e NlS), concessionários automóveis (Sorel e SLV), hotéis e turismo (Hotel do Caramulo, Hotel da Costa da Caparica e Turivisa), saúde (Grupo Português de Saúde, British Hospital XXI), Alimentos e agricultura (Murganheira, Tapada de Chaves) e indústria (C.N.E. - Cimentos, CANAM, Omni, Inapal Plásticos).
   
Em 2001-2002, Manuel Dias Loureiro trabalha durante nove meses como membro da comissão executiva da SLN. Em 2002, o BPN adquire o banco Efisa, a correctora Fincor e o Banco Insular, de Cabo Verde, este último sem comunicar a aquisição ao BdP (entidade supervisora da banca portuguesa). Em 2003, inicia a sua operação no Brasil com a compra ao Banco Itaú. O Brasil torna-se para o BPN o mercado de eleição para a internacionalização. Em 2005, 20% do BPN Brasil é adquirido pelo Banco Africano de Investimento, uma instituição privada angolana, de que a Sonangol é accionista
   
Em 2003 a Deloite, firma que auditava as contas do BPN, põe em causa essas contas, pelo que é despedida.
   
Em 2007, o BdP pede ao SLN/BPN que clarifique a sua estrutura accionista e proceda à separação das áreas financeiras (SLN Investimentos, Plêiade e Partinvest) das não financeiras (BPN e Real Seguros). Os esclarecimentos só foram prestados em 2008 pelo então presidente-interino Abdool Vakil, já após a saída de Oliveira e Costa.
   
Em Fevereiro de 2008, Oliveira e Costa abandona a presidência do grupo SLN/BPN, invocando problemas de saúde. O BPN é alvo de uma investigação no âmbito da «Operação Furacão», mega-processo que desde 2005 investiga crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais, envolvendo instituições financeiras.
   
Em Junho de 2008, Miguel Cadilhe, antigo ministro das Finanças e ex-administrador do BCP, é eleito presidente do grupo SLN/BPN (substituindo Abdool Vakil) lançando uma operação de recapitalização por subscrição de acções. Algo começa a emergir. Em Setembro, é anunciado um plano de venda de activos «não-estratégicos» e, em Outubro, o BPN recorre a um empréstimo de 200 milhões de euros junto da CGD para enfrentar dificuldades de liquidez, alegadamente causadas pela crise financeira internacional... De facto, este montante correspondia, grosso modo, aos resgates de depósitos feitos junto do BPN, com muitos clientes do BPN a acorrerem aos balcões do banco, perante rumores insistentes de que estaria a enfrentar dificuldades face ao agravar da crise financeira ([1]). Fonte oficial do BPN não comenta «operações de financiamento junto de outras instituições», referindo que estas decorrem «do normal relacionamento entre bancos, no âmbito do mercado interbancário». Depois de o semanário Expresso ter adiantado que o governador do BdP estava preocupado com «dois pequenos bancos», referindo-se a uma reunião no banco central entre Vítor Constâncio e os presidentes dos cinco maiores bancos portugueses, adensam-se os rumores em torno do BPN. Este desmente «categoricamente» a possibilidade de estar a enfrentar problemas decorrentes da crise de liquidez. O próprio Vítor Constâncio veio a público acalmar o mercado, referindo que os bancos portugueses são sólidos e que não se deve dar ouvido a rumores!
   
A situação começa a tornar-se insustentável. Para se proteger, Miguel Cadilhe denuncia a 28 de Outubro vários crimes financeiros que alegadamente teriam ocorrido ao nível da gestão do banco, envolvendo três quadros superiores, solicitando uma investigação profunda aos anteriores actos de gestão ([2]).

2 - Fraudes
   
Muito se tem escrito sobre o caso BPN (ver, principalmente, [3-6]). A SIC também apresentou alguns programas sobre o assunto de 5 a 8 de Fevereiro de 2013. O manancial de informação disponibilizado ao grande público surge, todavia, desestruturado, como uma colecção de notícias soltas, mais ou menos sensacionalistas, fora de um quadro estruturante e esclarecedoramente explicativo.
   
Vamos procurar suprir essa omissão, apoiando-nos, para tal, no melhor trabalho que encontrámos para esse fim: o excelente artigo do ex-deputado Honório Novo, militante do PCP, intitulado «O escandaloso caso do BPN» ([3]).
Conforme diz Honório Novo, o BPN foi «um banco concebido para servir um "um bando"»  (itálicos nossos, aqui e abaixo). De facto, «Ao contrário do que sucede com a generalidade dos grupos financeiros, que detêm participações -- maiores ou menores -- em grupos económicos ou em empresas, o BPN […] era totalmente dominado pela SLN. Esta estratégia de domínio total dum grupo empresarial sobre bancos foi, aliás, depois reforçada com a compra do Banco Efisa.»
«O Grupo SLN detinha 100% do BPN, o BPN era o banco do Grupo. E para garantir a "correcta articulação entre as duas entidades", Oliveira e Costa era o presidente de ambas. Esta estrutura "anómala" foi a razão pela qual, logo em 2000, o BPN foi "alvo de atenção mais cuidada", palavras do Banco de Portugal (BdP). De facto, a legislação impede que um banco possa conceder ao grupo a que pertence um crédito superior a 20% dos fundos próprios do banco. A razão é de prudência, tem a ver com a necessidade de impedir que a influência que um grupo (neste caso a SLN) tem sobre um banco (caso do BPN) permita que sejam concedidos créditos ao grupo em montantes que possam colocar em risco a solvabilidade do próprio banco.»
«O que sempre sucedeu no BPN foi a criação e desenvolvimento de um esquema ardiloso e fraudulento destinado a contrariar essa legislação de controlo, através da utilização de diversos instrumentos e expedientes. O objectivo central era financiar ilegalmente o SLN, as suas empresas e os seus accionistas e/ou gestores bem para além dos 20% dos fundos próprios do BPN. Um plano urdido por um grupo de elite capitaneado por Oliveira e Costa, constituído por administradores e gestores do Grupo SLN e do "seu" banco, muitos deles dirigindo as duas estruturas de cúpula e muitas das empresas do Grupo. Como alguém disse, existia "um bando dentro do banco BPN", ou, melhor ainda, existia "um bando dentro do Grupo que dominava o banco BPN"».
Quais os ardis de que se serviu o «bando» para embolsar milhões à custa de accionistas e de depositantes comuns? Foram os seguintes:
- A utilização de «empresas» offshore usadas para financiamentos ilegais de «empresas» do «bando»;
- A utilização do Banco Insular para financiamentos ilegais de membros do «bando» e «empresas» do «bando»;
- A concessão de créditos ao «bando» e amigos sem quaisquer garantias ou com falsificação de garantias;
- Burlas na compra e venda de activos;
- Oferta de taxas de juro elevadas para atrair depositantes e, inclusive, num caso, uso do esquema da «pirâmide»;
- Burlas de accionistas que subscreveram «papel comercial da SLN-Valor».
Todas estas «operações» com o cometimento de inúmeros ilícitos: abuso de confiança, fraudes fiscais, aquisição ilícita de acções, infidelidade (cometido por quem tendo o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante), falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Diz ainda Honório Novo no seu artigo:
«Em 2008, afastado o grupo de Oliveira e Costa da gestão, o BPN entrou numa situação iminente de ruptura de pagamentos e de abaixamento de rating, que o impedia de recorrer a financiamentos interbancários. Para isto contribuíram, inevitavelmente, os megalómanos negócios do Grupo, a exposição excessiva a riscos de crédito imobiliário, a excessiva (e ilícita) concessão de crédito a empresas do grupo, a avaliação deficiente de activos, os empréstimos concedidos sem garantias e sem a formalização contratual necessária, o pagamento de remunerações em numerário a alguns gestores e administradores, tudo à margem da contabilidade oficial do BPN e do Grupo
   
2.1 O esquema básico
Contnuemos a acompanhar o artigo de Honório Novo ([3]):
«das "empresas" off-shore…»
«Criou-se primeiro um conjunto vasto de "empresas" off-shore -- chegaram a ser 100 --, ocultando-se os seus destinatários finais (isto é, os seus proprietários de facto, que depois se verificou serem empresas da SLN, alguns dos seus accionistas em nome individual, ou alguns dos titulares dos órgãos sociais do BPN e da SLN), que serviam como "ponte de passagem" para conceder financiamentos ilegais, ultrapassando o limite referido.
O BPN financiava essas "empresas" off-shore, as quais, escudadas no segredo garantido nos paraísos fiscais e na omissão dos seus proprietários, transferiam os créditos para empresas da SLN. Por vezes não era o BPN que concedia o crédito às offshore, ele era feito através de outras triangulações: o BPN financiava sucursais em paraísos fiscais, em especial o BPN-Cayman e o BPN-IFI (em Cabo Verde) e estas entidades depois financiavam as "empresas" off-shore, as quais, por sua vez, completavam o círculo, entregando os créditos aos destinatários finais, isto é, às empresas da SLN e não só…»
    
O esquema das offshores.
   
«Mas as off-shore tinham um outro objectivo: esconder custos do BPN. Muitas despesas, que deveriam ser registadas nas contas do BPN, eram pagas por essas "empresas" que, para tal, eram financiadas pelo próprio BPN. Havia, assim, um outro tipo de "empresas" off-shore sem qualquer valor activo, apenas com responsabilidades perante o BPN (impossíveis de liquidar), que as utilizou ou para esconder despesas, ou para efectuar pagamentos ilegais, incluindo pagamentos em "dinheiro vivo" a administradores
    
As offshores em causa não exerciam qualquer actividade produtiva ou comercial lucrativa, servindo apenas para pagamentos a terceiros, fora da contabilidade do BPN. Aliás, muitos dos empréstimos não estão titulados em qualquer documento, outros estavam em papéis em que não constam elementos de identificação dos clientes, como a morada. As sociedades eram totalmente fictícias, não dispondo de quaisquer activos ([7]).
«…às duas «versões» do Banco Insular (BI)»
«Pressionado por algumas perguntas feitas pelo BdP sobre a identidade dos destinatários finais de algumas das "empresas" off-shore -- algumas delas nunca respondidas sem que o BdP tivesse agido --, o BPN passa, no início da década de 2000, a utilizar paralelamente um outro instrumento, o famoso BI, com sede em Cabo Verde […] o BI -- que ficara na posse dos seus anteriores proprietários -- rapidamente passa para a mão de testas-de-ferro comandados pelos mentores do BPN/SLN. 
Assim, o BI começa a desempenhar o mesmo papel das "empresas" off-shore no esquema montado para financiar ilegalmente empresas do Grupo SLN: o BPN-Cayman e o BPN-IFI utilizam depósitos de clientes do BPN (muitas vezes sem o seu conhecimento) para financiar o BI que, por sua vez, financiava empresas da SLN. Relativamente ao esquema das "empresas" off-shore, o BI tinha até a vantagem de nem sequer precisar de ocultar os proprietários já que, formalmente, era um banco de Cabo Verde que nada tinha a ver com o BPN nem com a SLN…»
   

O esquema das offshores com o BI.
   
«O BI dedicava quase toda a sua actividade a triangular esquemas de financiamento do Grupo SLN. Só que o montante do crédito concedido pelo BI era tão elevado que, rapidamente, ultrapassou os limites adequados aos seus fundos próprios, de acordo com a supervisão de Cabo Verde. E é por isto que surge, a partir de 2003, um novo esquema montado pelo "bando" que tudo arquitectava na sede do Grupo SLN/BPN: um novo balcão, o BI virtual, sem qualquer existência física, totalmente operado por um grupo de "experts" na sede do BPN [!], com o qual se dá seguimento ao mesmo procedimento usado com o BI de Cabo Verde. Como seria de esperar, e não obstante existirem registos de todas estas operações (segundo o BdP, informaticamente ocultadas e, por isso, inacessíveis a operações de controlo), elas não eram contabilizadas, nem no BI nem no BPN.»
   
Já depois de nacionalizado o BPN moveu uma acção cível exigindo o pagamento de indemnizações a seis ex-dirigentes do grupo, incluindo Oliveira e Costa e Luís Caprichoso, dado que estes «enquanto membros do conselho de administração do BPN e/ou da SLN, decidiram fazer investimentos, aquisições de participações ou simplesmente despesas, através de operações de crédito cedidas pelo Banco Insular, por ordem de ambos». Só entre 2001 e 2007 o BI atribuiu, por indicação expressa de Oliveira e Costa e Luís Caprichoso, crédito a 15 sociedades offshore, com dados incompletos, no valor de 102 milhões de euros. Além disso, para uma alegada garantia de 65 empréstimos do BI a offshores, no valor total de 36,8 milhões, foram passadas cartas de opção que obrigavam o BPN a recomprar os créditos sem qualquer contragarantia prestada pelos contratantes ([7]).
Note-se que o próprio BPN chegou a gerir contas de investimento de 550 milhões de euros sem autorização da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (revelado na comissão de inquérito parlamentar, 29/4/2009).
*    *    *
As tabelas seguintes mostram algumas das offshores e dos negócios ruinosos usados apenas para locupletar «empresas» e indvíduos com financiamentos do BPN/SLN.
   
Algumas das offshores e empréstimos que contraíram para retirar fundos ao BPN, totalizando 229.725.181 €. (Dados de Outubro de 2011, [7]).
Offshore
Empréstimos (€)
Antorini Brasil Participações
241.581
Audel
667.428
Fika Holdings
5.296.952
Financial Advisory Service
1.457.318
Invesco
14.788.951
Jared Finance LLC
40.336.918
Jespersen
12.639.316
Kayes associates
2.550.996
Kerin Finance
844.364
Mardell Investments
25.476.112
Orienama Investments
427.887
Resia Finance
6.718.144
Seaford Holdings
15.017.799
Solrac
77.741.932
Webster Worldwide Assets
25.519.483
   
Dez casos de negócios ruinosos totalizando um prejuízo de 244.509.156€ (dados divulgados em Maio de 2018, [8])
«Empresa»/
«negócio»
Datas
Montante (€)
Intervenientes
Prejudicados
Historial
DEVECO
2000-2005
26.043.553
António Lopes Cruz, Rui Jorge da Costa, Rui da Silva, Miguel Francisco Sanches, José Monteverde
Sogipart, da SLN
A Deveco foi adquirida pelos intervenientes com crédito do BPN à própria Deveco, garantido com imóveis dela. Detectados levantamentos para pagar as participações adquiridas e outros fins desconhecidos.
POUSA FLORES
2005-2007
74.360.000
Grupo Ricardo Oliveira, Grupo Pousa Flores (José Neto, Arlindo Carvalho), BPN, Partinvest, R. Seguros
BPN/SLN
A Imobiliária Pousa Flores comprou activos ao Grupo Ricardo Oliveira com crédito do BPN. BPN assumiu compromisso de adquirir esses activos.
DOMURBANIS
20-07-2007
53.000.000
Francisco Sanches, Ana Teresa Neves, Miguel Faria, Márcia Pereira
BPN
Domurbanis tinha 3 terrenos em Rio Frio, hipotecados ao BPN. Foram vendidos à BPN-Imofundos, mas a hipoteca não foi paga. Depois foram vendidas à Paprefu, que tem os mesmos gestores da Domurbanis.
TOCATEL
Abril-Dez. 2007
17.450.000
BPN, Tocatel, Alet, Imonurba, Imóveis Centieira
SLN
BPN e Tocatel assinaram três contratos de cedência de créditos litigiosos, ficando o BPN com o registo no seu activo de crédito novo em vez de crédito vencido.
WEBSTER W. LTD
2003-2008
25.700.000
BPN, BPN Crédito, Tanisse Holdings LLC
BPN/SLN
Em 29/9/2008, a Webster tinha uma Conta Corrente Caucionada (limite de crédito autorizado pelo banco) no Banco Insular de 10,3 milhões de euros e um Depósito à Ordem de 15,36 milhões.
SIRIS ENTER. LLC
2003-2007
12.400.000
SIRIS, BPN (incluindo BPN Cayman e BPN Gestão de Activos)
SLN
Em Maio de 2003, foi feito um depósito de 84,5 milhões de euros na conta do BPN Cayman, da Siris. Feitas diversas operações de exposição a riscos cambiais, de que resultaram prejuízos elevados.
PORTO RICO
2001-2002
34.223.000
La Granjilla, El Assir, Gransolo, Miraflores, BPN Cayman, Biometrics, Barwell, Financial Advisory, Mardell
BPN/ SLN
Em 2001, a SLN-SGPS compra à Biometrics 25% do capital por 31,25 milhões de euros, pagos em Nov. 2001. Nesse dia, a SLN vendeu por igual valor a um Fundo. BPN Cayman assumiu prejuízo.
PLEXPART
31-12-2007
661.539
Luís Caprichoso, Francisco Sanches, António Franco
BPN
Conta da Plexpart Consultoria foi movimentada a débito pelo valor de 620 mil euros, gerando descoberto nesse valor. Valor foi para conta no Banco Privado Internacional e conta da Plexpart no Banco Insular.
BRAINWARE
2004
300.000
José Mascarenhas, Ricardo Passos e António Passos, Jared, SLN e BPN
BPN Cayman SLN
Empresa constituída em 2004, tendo o capital sido subscrito por José Mascarenhas, Ricardo Passos e António Paiva. BPN deu crédito para o capital da empresa, que foi debitado da offshore Jared.
SOPROMAT
Não é referida
371.064
Não são referidos
Sopromat BPN
"Verifica-se a existência de levantamentos em numerário das contas da Sopromat junto do BPN e outros bancos do Grupo, por funcionários do BPN, sem intervenção dos administradores da Sopromat", diz balanço.
   
Em 2013 mais negócios ruinosos estavam contabilizados, com um prejuízo total de quase 248 milhões de euros. No essencial, tratava-se de aquisição de empresas, terrenos e acções com preços sobrevalorizados, através de empréstimos do BPN, movimentações de contas bancárias a descoberto, compra de créditos litigiosos e perdas em investimentos especulativos ([8]).
   
A análise dos especialistas do DCIAP indica que «os relatórios que nos foram sendo facultados quanto a assuntos que se admitia pudessem ser qualificados de danosos para a SLN/BPN sempre assentaram muito fortemente em análises de movimentos bancários, muitos deles de contas de sociedades bancárias internacionais (BPN Cayman, Banco Insular, etc.), sendo beneficiários terceiros.».

2.2 Alguns casos concretos
   
O «negócio» de Porto Rico de Dias Loureiro
Um artigo do BE ([9]) descreve bem esta negociata de compra de empresas a Abdul Rahman El-Assir, traficante de armas libanês e amigo de Dias Loureiro, suportada por fundos da SLN:
«Segundo afirmou Oliveira e Costa, Dias Loureiro e El Assir pressionaram a SLN a investir milhões de euros em [na compra de] duas empresas de El Assir, a NewTechnologies e a Biometrics [duas sociedades tecnológicas com sede em Porto Rico, um paraíso fiscal], para que este os ajudasse num outro negócio em Marrocos.» Grande parte do vultuoso investimento -- cujo montante parece ser ainda mal conhecido -- foi feita através de offshores. «No mesmo dia, a empresa Biometrics foi vendida três vezes. Da primeira vez, foi vendida por 30 milhões de dólares. […] Na última operação, realizada no mesmo dia, o fundo e a empresa foram vendidos por apenas 20 milhões de dólares. Para onde foram os 10 milhões de dólares em falta?». Dia Loureiro, quando inquirido na Comissão de Inquérito sobre o negócio, mostrou uma estranha amnésia que tem perdurado até hoje, neste e noutros aspectos em que é arguido. «Quando perguntado pelo deputado João Semedo se conhecia sequer o "Excellence Assets Fund", fundo [do BPN] através do qual foram compradas estas empresas, declarou nunca ter ouvido falar nesse nome.». O negócio da venda ficou também mal esclarecido aquando do inquérito parlamentar. Os documentos entregues à comissão de inquérito dizem que a empresa foi vendida por António Rebelo, administrador do fundo Excellence Assets Fund, a 19/3/2003 por cerca de 35 milhões de euros. «No entanto, o deputado João Semedo exibiu documentos que indicam que as contas da SLN registam a venda da Biometrics por apenas "um dólar".» (!)
O negócio de Porto Rico foi feito através de 8 offshores: Barwell Holdings, Newtech Strategic Holdings, Financial Holdings LLC, Mardell Investments, Seaford Holdings LLC, etc. ([10])
   
Negócios com terrenos
Um destes negócios envolveu o «famoso» Duarte Lima e a Homeland, empresa constituída com a participação de 1,5 milhões de euros do BPN, de 4,2 milhões de euros de Vítor Raposo (então sócio de Duarte Lima) e igual capital de Pedro Lima (filho de Duarte Lima). Os terrenos estavam nas imediações da projectada sede do Instituto Português de Oncologia, que acabou por não avançar, pelo que o crédito pedido ao BPN, no valor de mais de 40 milhões de euros, ficou por liquidar. Suspeito de burlar o BPN em 44 milhões de euros, Duarte Lima foi detido a 17/11/2011, tendo ficado em prisão preventiva até Maio desse ano. Pedro Lima também foi detido, mas saiu em liberdade, após pagamento de caução de 500 mil euros. Foram constituídos arguidos Vítor Raposo, Francisco Canas, e os advogados João Almeida e Paiva e Miguel Almeida e Paiva ([11-12]).
    
Outro negócio envolveu três terrenos junto ao futuro aeroporto de Lisboa:
«Em causa está uma operação financeira rocambolesca: em 20 de Julho de 2007, a Domurbanis vendeu três terrenos em Rio Frio [Alcochete], que estavam hipotecados ao BPN para garantir um crédito de 53 milhões de euros, à BPN Imofundos por 53,078 milhões de euros. "O preço de venda foi entregue pela BPN Imofundos à Domurbanis, mas tal quantia não foi utilizada para pagamento do mútuo hipotecário", diz o documento [entregue ao DCIAP].» ([11].)
   
«As terras foram vendidas à Paprefu por 56,5 milhões de euros. "A Domurbanis é actualmente devedora de 53 milhões de euros, acrescidos de juros, sendo que os imóveis que garantiam o pagamento de tal montante são agora propriedade da Paprefu e encontram-se hipotecados a favor do BES" […]» ([11].)
   
Outros negócios
Um grande número de negócios propositadamente ruinosos se podem imputar ao BPN (ver [6]). Por exemplo, Dias Loureiro e Oliveira e Costa venderam uma rede de comunicações ao Ministério da Administração Interna pela qual o Estado está a pagar um total de 485,5 milhões de euros, cinco vezes mais do que poderia ter gasto se tivesse optado por outro modelo técnico e financeiro. Outro estranho negócio: Oliveira e Costa construiu um «bunker» com cerca de 100 metros quadrados e preparado para integrar um ultramoderno sistema de segurança e vigilância na herdade da Vidigueira (!) com empregados com chips nas fardas como nos filmes de James Bond; seria, alegadamente, um dos maiores investimentos turísticos do grupo BPN no Baixo Alentejo.
   
Num outro «negócio» (ver [6]) um «crédito, na ordem dos 1,6 mil milhões de euros, teria sido concedido pelo BPN à Amorim Energia em 2006», mantendo-se assim a dívida de 1,6 mil milhões de euros» durante o período em que o banco esteve na posse do Estado. A Amorim Energia é uma holding detida «não apenas por Américo Amorim» e que tem como accionistas a Santoro Holding Financial, de Isabel dos Santos, e a Sonagol. Ora, a Santoro, além de accionista da Amorim Energia, é também accionista maioritária do Banco Internacional de Crédito (BIC), a quem o Estado vendeu o BPN (veremos à frente em que condições). Na altura o deputado João Semedo fez notar que «Desta forma, a venda do BPN, com os seus créditos, ao BIC, poderá implicar que o crédito de 1,6 mil milhões de euros seja pago pela Amorim Energia a um banco que tem como principal accionista a própria devedora». Sim, de facto veio a verificar-se que na «venda» do BPN ao BIC o Estado (todos nós) «perdoou» a dívida da Amorim Energia.
   
(Continua no próximo artigo.)
   
Referências
[1] Paula Cordeiro e Renato Santos «CGD empresta 200 milhões de euros ao BPN» Diário de Notícias, 11/10/2008.
[2] Ver: Cronologia do caso BPN: Esquerda.net dossier, 9/7/2009; BPN - Investigação: cronologia, Diário de Notícias, 11/5/2012.
[3] Honório Novo, «O escandaloso caso do BPN», PCP "O Militante", Nº 311, Mar/Abr 2011, Economia http://omilitante.pcp.pt/pt/311/Economia/582/
[4] «BPN: o assalto laranja ao país» Esquerda.net dossier, 17 Março, 2013.
[5] «BPN - Investigação», colecção de artigos do Diário de Notícias com início em 11 de Maio de 2012.
[6] «BPN/SLN o buraco negro do dinheiro dos portugueses. O ninho dos corruptos» http://apodrecetuga.blogspot.com/2012/05/blog-post.html
[7] Miguel Alexandre Ganhão «Buraco de 234 milhões no BPN», Correio da Manhã, 18/10/2012.
[8] António Sérgio Azenha «Negócios ruinosos de 248 milhões» Correio da Manhã, 18/5/2013.
[9] «A ruinosa operação de Porto Rico», Esquerda.net dossier, 9/7/2009.
[10] Carlos Rodrigues Lima «Oito 'offshores' no negócio de Porto Rico», Correio da Manhã, 29/5/2009.
[11] «Terrenos, levantamentos em numerário e aumentos», Diário de Notícias, 30/4/2012
[12] «Duarte Lima começa a ser julgado no caso BPN» Diário de Notícias, 28/5/2013.