domingo, 24 de agosto de 2014

A história ignominiosa do PS: de 26 de Abril a 8 de Agosto de 1975

    Vimos (http://revolucaoedemocracia.blogspot.pt/2014/07/a-historia-ignominiosa-do-ps-de-1-de.html ) como nos primeiros quatro meses de 1975 o PS (quando dizemos PS queremos sempre dizer os dirigentes do PS) exibe uma atitude de incómodo com o rumo da revolução, uma posição dúbia face ao putsch spinolista do 11 de Março, e de preparação de uma grande aliança envolvendo forças da direita e grupelhos esquerdistas, para arremessar contra todas as forças democráticas e de esquerda (esquerda militar, PCP, MDP/CDE, MES, sindicatos, e um grande número de organizações de base onde estavam representadas outras forças políticas, incluindo militantes e simpatizantes do PS) que implementavam, apoiavam e aprofundavam políticas sociais avançadas, com base na aliança de facto POVO-MFA.
    As eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975 deram uma maioria ao PS. PS e restante direita ficaram com 211 deputados contra 35 do PCP+MDP/CDE. (Havia também um deputado da UDP que nas questões essenciais, e apesar da fraseologia radical, esteve sempre com o PS. Acabou, mais tarde, por se filiar no PS.) O PS sentiu-se, assim, institucionalmente fortalecido e legitimado perante a opinião pública e o MFA, para flagelar, com os mais diversos actos contra-revolucionários, a esquerda militar, o PCP e outras forças de esquerda consequentes, atingindo em 8 de Agosto uma importante vitória estratégica: a divisão do MFA.

De 26 de Abril de 1975 a 8 de Agosto de 1975
A 1.ª fase contra-revolucionária do PS

Abril
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27/4. Mário Soares: «A social-democracia não tem viabilidade em Portugal. O povo optou pelo socialismo.»
Soares ainda não levanta muito a lebre. A frase «O povo optou pelo socialismo» serve também para tranquilizar o MFA, nesta altura ainda engajado «rumo ao socialismo».
27/4. Mário Soares aos jornalistas estrangeiros: «os portugueses disseram não quererem os comunistas.»
Já vimos, nos artigos anteriores, que Soares revelava sempre primeiro aos estrangeiros (à mon ami Willy Brandt et à mon ami Miterrand) as suas intenções. Anuncia aqui que a hostilidade aberta contra o PCP vai começar.
28/4. Declaração do PS: «a votação não traduz [demonstra] a força do PCP»
Idem. Justificação para atacar o PCP e, por arrasto, tudo que cheirasse a socialismo.

Maio
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Comentário
1/5. Provocação do PS ao comicio no Estádio 1.º de Maio organizado pela Inter: tomam a cauda da manifestção e entram no Estádio quando já estavam oradores a falar; gritam para boicotar o discurso de Vasco Gonçalves. O PS faz à parte o seu próprio comício! Diz um furriel do exército para M. Soares: «Isto é uma vergonha. O PS está a boicotar o discurso do nosso Primeiro Ministro. Faça qualquer coisa.» M. Soares responde-lhe: «Não é o PS, nada. Eu quero ouvir o PM. É o Senhor que não me deixa.» Os militares convidaram então M. Soares a subir para a tribuna. Um dirigente da Inter impediu-o.
A provocação do PS nas comemorações do 1.º de Maio marca o início público da contra-revolução do PS. O alvos, para já, são a Inter, Vasco Gonçalves e o PCP.
Esperava-se que, tal como no ano anterior, as comemorações do 1.º da Maio fossem uma apoteose, celebrando a unidade dos trabalhadores em torno da Intersindical (organizadora das comemorações) e na via política rumo ao socialismo. PS e aliados de extrema-esquerda montaram  uma provocação monumental no desfile e no próprio Estádio, com vista a enlamear o Governo (onde, como vimos, o PS participava maioritariamente!), o PCP e seus aliados.
Alguns grupelhos de «extrema-esquerda» também procuraram minar a unidade dos trabalhadores organizando manifestações separadas.
2/5. M. Soares: «necessidade de eleições livres nos sindicatos e autarquias.»
Nos sindicatos as eleições eram livres. Quanto às autarquias, estavam em vias de constituir-se. No fundo, Soares esperava que a «onda PS» das últimas eleições se propagasse aos sindicatos e autarquias em eleições apressadas, realizadas .
8/5. M. Soares: «A Inter tentou recuperar certo sector e marginalizar o PS.»
PS apresentando-se como vítima dos comunistas; uma acusação recorrente.
20/5. «Caso República»: A direcção do jornal República, encabeçada por Raul Rego do PS, promove o saneamento de comunistas e de elementos do MDP para transformar o jornal em orgão do PS. (Até esta altura a informação dos jornais não partidários era controlada por comissões de jornalistas). Os jornalistas, numa manifestação de grande unidade, manifestaram-se contra o saneamento isolando a direcção e saindo com uma edição dos próprios trabalhadores. A Comissão de Trabalhadores decidiu afastar a direcção e sua chefia de acordo com o Regulamento Geral do Trabalho de 2 de Maio.
O PS defende Raul Rego em nome da liberdade de informação (!).
Mais uma provocação que na época fez correr muita tinta: o caso do jornal República. Serviu ao PS para se auto-promover como defensor da liberdade de expressão. Na realidade, quando  o PS foi governo tratou logo de amordaçar a liberdade de expressão, como veremos depois. Foi mais um caso destinado a enlamear a imagem dos comunistas e de outros democratas.
Em nome da «liberdade de informação» o PS prosseguia o objectivo contrário: arredar os jornalistas de qualquer papel interventivo, colocando a informação sob controlo de direcções do seu agrado.
Na realidade, a informação em Portugal nunca foi tão livre e pluralista como nesta época!
22/5. «Caso República»: Elementos ligados ao PS apresentam processo no tribunal e PS suspede a sua presença do conselho de ministros. PPD apoia PS no «Caso República».
Dilatando o «caso». A restante direita segue, como sempre, no trilho marcado pelo PS. Para quê inventar se a invenção já foi feita?
23/5 M. Soares: «PS não quer abrir uma crise governamental.»
De facto, como os acontecimentos seguintes comprovarão, trata-se de uma ameaça velada. E, sim! O PS queria abrir uma crise governamental e veio de facto a abri-la.
23/5 M. Soares: «o que nos divide [do PCP] não é o marxismo, mas sim o leninismo e o estalinismo.
Poder-se-ia dizer que se trata de uma frase-chave de todos os oportunistas de direita. Mas nem isso é sequer. O marxismo do PS é só para confundir. O PS nunca soube o quer isso era.
26/5. Comício de apoio aos jornalistas PS do República: «socialismo sim ditadura não», «nem mais um tostão para a falsa informação» [na altura certos jornais tinham apoios do Estado], «o povo quer saber o que está a acontecer», «partido socialista, partido marxista».
Sá Carneiro (PPD): «cada partido devia dispor de um jornal diário.» [dos que já existem e têm apoio do Estado, quer ele dizer].
Estes slogans do PS são típicos da época.
Qunto ao PPD, pela boca de Sá Carneiro, ousa dizer abertamente o que Soares ainda não ousa, camuflando as suas reais intenções sob capas «marxistas» e de «liberdade».
27/5. Moção de Adelino Gomes  de apoio aos jornalistas do República aprovada por 29 votos a favor e 27 votos contra em Assembleia do Sindicato dos Jornalistas: «Assim, verifica-se que um partido -- o PS -- desde logo procurou transformar o conflito de trabalho numa questão política que vem ameaçando o próprio processso revolucionário do país»
Entre os jornalistas também havia, claro!, muitos seguidores da linha M. Soares.
29/5. M. Soares ao l’Aurore (jornal francês de extrema-direira): «PC é mais perigoso que os militares.», «Caso República: trabalhadores não querem jornal partidário.»
Mário Soares no seu melhor, na mentira e na tese do «perigo comunista» tão cara à direita.

    A 3 de Maio são conhecidos mais pormenores sobre a provocação do 1.º de Maio. Neste evento, com o objectivo principal de desacreditar e minar a Intersindical (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional (CGTP-IN), também designada por Inter ou por CGTP), central única dos trabalhadores portugueses construída com grande esforço ainda no tempo do fascismo (1970).
    O elemento da Intersindical que alegadamente tinha impedido a subida de Soares à tribuna, confirma deste modo: «É verdade. Fui eu que impedi a entrada do Dr. Mário Soares. Nessa altura estava a discursar o Presidente da República. Além de poder provocar mais incidentes o PS tinha violado todos os acordos previamente estabelecidos. Mesmo antes do 1.º de Maio corriam boatos de que o PS pretendia ocupar posições estratégicas no estádio 1.º de Maio. No entanto, as negociações decorriam e os dirigentes [do PS] tinham-se comprometido a respeitar o acordo.» Isto é, este elemento da Inter ao impedir a subida de Soares à tribuna, caiu na provocação. Provocação sabiamente montada. De facto, na mesma notícia ao JN, é dito que «os dirigentes da Inter acentuaram que tinham protestado contra  decisão do PS de ocupar a cauda da manifestação, não lhes sendo possível demover os dirigentes do referido partido que se recusaram a marchar ao lado do MES e da FSP. Quanto à decisão de não permitir que os representantes dos partidos  [PS e outros] usasem da palavra foi afirmado que isso foi para preservar a unidade dos trabalhadores e do povo ao MFA.» Dentro do estádio, o PS-Mário Soares aproveitou para fazer um comício partidário com os militantes PS a gritar «Intersindical tecto de Cunhal», um slogan também muito do agrado da UDP, FEC-ml, OCMLP, PCP(r), etc.
    A 6/5 tem lugar uma reunião PS-PCP, noticiada como tentativa de superar a desunião. Não leva a nada porque o PS não tem neste momento nenhumas intenções de unidade de acção com o PCP. No próprio MFA começam a surgir sinais de incomodidade com o papel vanguardista do MFA: Vítor Alves (conotado com o PS) declara que «O MFA não quer implantar um socialismo de caserna» (!)
Note-se que no IV Governo Provisório (o mais longo, pois durou de 26/3/1975 a 8/8/1975) os PSs continuavam a dominar (Mário Soares, Almeida Santos, Salgado Zenha, João Cravinho, para só falar nos militantes). Havia 2 ministros do PPD (Magalhães Mota, Jorge Sá Borges) e 2 do PCP (Álvaro Cunhal, Veiga de Oliveira). Todavia, como já fizemos notar, o PS comportava-se publicamente como se não fizesse parte do governo.
    A luta de classes intensifica-se. Por um lado, avançam novas nacionalizações -- do tabaco, da celulose e dos cimentos (14/5) --, formam-se comissões de moradores e de defesa da revolução e anuncia-se o fim dos bairros de lata (18/5); avança a electrificação rural (31/5); no Alentejo está em curso uma grandiosa luta dos trabalhadores rurais pela reforma agrária. Por outro lado, conspira-se: são descobertos terroristas ligados à JC (CDS) que tinham preparados ataques  a sedes do PCP em todo o país (12/5); o MFA desmonta uma organização fascista (19/5). Surgem várias greves, muitas vezes revelando manipulação e atraso de consciência dos trabalhadores (greves nas câmaras municipais, nos químicos do Norte, etc.), o que leva Carlos Carvalhas, ministro do trabalho a colocar a interrogação (13/5): «lutas entre o trabalho e o capital ou entre o trabalho e a colectividade?» e o PM a afirmar que «a economia portuguesa não comporta mais encontrões.» (8/5). Na CMP a greve foi incitada pelo PS, tendo havido troca de acusações entre PS e PCP (15/5).
    Num cenário altamente complexo e denso, a que não faltam os problemas da descolonização (principalmente de Angola), do repatriamento de retornados, da traição à solidariedade proletária dos eurocomunistas PCE e PCI (partidos perfeitamente lamentáveis), surgem algumas notícias que fazem sorrir: Cunhal ao Pravda: «eleições não foram factor determinante» (15/5); Pinheiro de Azevedo afirma que a opinião generalizada na OTAN é de que «a revolução portuguesa é útil e está no bom caminho [provavelmente queriam dizer no caminho do PS]» (25/5); a JSD afirma: «marcamos muito nitidamente as influências que recebemos do marxismo e das linhas progressistas do estruturalismo e do pensamento cristão [que mistela!].» e que «não se identificam com o neocapitalismo europeu, mas fundamentalmente com a construção do socialismo por via de reformas no respeito pela vontade popular livremente expressa pelo voto (31/5). [Estás a ouvir, ó Passos?] Já vimos que em 1974 o PPD chegou a pedir a inscrição na Internacional Socialista, posicionando-se como o grande concorrente do PS na implmentação do «socialismo democrático». E, efectivamente, toda a prática posterior mostrou que a diferença entre ambos nessa implementação era mínima.

Junho
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18/6. O PS1 solidarizou-se com os Bispos, considerando que a liberdade religiosa não se limitava à liberdade de culto, mas implicava necessariamente «o direito de a Igreja utilizar os meios de comunicação
social (Rádio, Imprensa, etc.) para os fins que lhe são próprios.»
Trata-se do caso «Rádio Renascença» que se arrastava deste o 25 de Abril de 1974. O episcopado, proprietário da rádio católica, tinha-se oposto às comissões de trabalhadores, ainda que englobando padres (alguns sempre estiveram ao lado dos trabalhadores). Trabalhadores do PS, PPD, CDS e PDC, maioritários na Rádio Renascença, em particular no emissor do Porto, defendem as posições reaccioná-rias do episcopado, saneando e agredindo comunistas e outros democratas. Assal-taram e controlaram o centro emissor da Lousã. O «laico» PS aproveitou para se colar ao episcopado, transformando uma questão política em questão religiosa, grangeando apoios das massas católicas mais atrasadas.
29/6. Mário Soares diz-se marxista mas contra a ditadura do proletariado.
O termo «ditadura do proletariado» tem um sentido classista preciso, diferente de «ditadura» no sentido de sistema político. O PCP também tinha retirado essa expressão por se prestar a confusões. Mas Soares deseja que a confusão impere, já que a sua afirmação tem por objectivo demarcar-se da alegada ditadura (no sentido de sistema político) do PCP. A ironia é que Soares opôs-se à «ditadura do proletariado» a fim de construir a «ditadura da burguesia» (agora no sentido da classe dominante).

    A partir de Junho multiplicam-se as acções contra-revolucionárias em que o PS está sempre por trás, aberta ou encobertamente.
    A sabotagem económica multiplica-se e a 7/6 o Conselho de Ministros discute o congelamento dos bens  de sabotadores económicos. Multiplicam-se também os casos de fuga de capitais, designadamente através de Valença (19/6). São roubadas armas da base de Santa Margarida (16/6). A UDP vota conjuntamente com o PS-PPD-CDS várias propostas na Assembleia Constituinte, que vencem contra o PCP-MDP/CDE (17/6). A 19/6 a UDP também se destaca por mais uma das suas iniciativas que objectivamente serviam os interesses da direita: a pretexto do caso «Renascença» desencadeia um cerco à sede do patriarcado de Lisboa durante 20 horas; cerco patético e inútil que serviu apenas para que CDS e PPD montassem uma contra-manifestação e alimentassem a fúria dos católicos contra os «comunistas», entendidos como os membros do PCP (não tidos nem achados na questão) já que grande parte da população nem sabia o que era a UDP. Sempre que a UDP despertava, pelo seu radicalismo disparatado, a rejeição popular, esta era sempre entendida pelos próprios populares, sabiamente manejados pela Igreja e partidos de direita, como rejeição e repulsa contra os «comunistas»-PCP e não contra os membros da UDP (o termo «udepistas» nem sequer foi usado; seria vazio de conteúdo).
    Note-se que o atraso de consciência entre os trabalhadores, designadamente no Norte, era elevado. A 28/6, os trabalhadores da empresa de colchões Molaflex, manipulados pelos acólitos do patrão Rui Hofle Moreira (detido no QG do Porto por ser do ELP), vieram de S. João da Madeira em manifestação ao Porto perguntar ao QG o que tinha contra o patrão. Elementos da Comissão de Trabalhadores (CT) quiseram entrevistar-se com o coronel Eurico Corvacho, comandante da RMN e membro destacado do MFA (esquerda militar); este anuíu, mas só com a CT e não tolerando a manifestação como forma de pressão. A CT não aceitou e dispersou com palavras de ordem «Rui Moreira é bom patrão», «liberdade imediata [para Rui Moreira]». Em 1 de Julho soube-se que tinha sido o PS, por intermédio dos seus militantes na CT, que tinha promovido a manifestação da Molaflex, apesar de dizer que esta tinha sido «espontânea».
    Prosseguem os saneamentos de elementos fascistas na administração pública. A 8/6 o Presidente Costa Gomes afirma que «escolha do socialismo é da vontade popular». A 21/6 Otelo afirma em revista cubana que «é muito dificil dividir o MFA»; ver-se-á brevemente que não e que Otelo desempenha nisso um papel lamentável. A 22/6 Vasco Lourenço lê um comunicado do CR propugnando uma «sociedade sem classes e pluralismo socialista». Álvaro Cunhal afirma no mesmo dia «nem socialismo sem liberdade, nem liberdade sem socialismo». Eurico Corvacho diz em 24/6 que «socialismo em Portugal não pode seguir modelos».
    Entretanto, nesta estranha revolução em que a contra-revolução tem um pé nos órgãos de poder, a 9/6 é agredido um dirigente  do MDP/CDE de Bragança e a 23/6 são assaltadas por hordas reaccionárias as sedes do PCP em Fafe e Trofa. Tudo, desta vez  e sempre, impunemente. O Copcon de Otelo assobia para o lado.
    Em 29 de Junho, 89 pides fogem da prisão de Alcoentre. Uma fuga que permaneceu e permanece por explicar, apontando para cumplicidades a níveis elevados.
    A 10/6 o PPD condena aquilo que chama de inoperância dos Conselhos Regionais da Reforma Agrária.
    A Reforma Agrária foi uma das mais importantes conquistas da Revolução do 25 de Abril. Veio a ser totalmente desmantelada pelo PS, como iremos ver. Foi verdadeiramente uma «revolução dentro da revolução» como lhe chama o comunista José Soeiro. Inserimos aqui um brevíssimo texto para esclarecer a evolução até Agosto de 1975.
   
A Reforma Agrária (de 25/4/74 a 30/7/1975)
   
[No texto que se segue baseámo-nos no livro «Reforma Agrária. A Revolução no Alentejo» (Ed. Página a Página, 2013) da autoria de José Soeiro, militante comunista, responsável pelo Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja e destacado dirigente da Reforma Agrária. Partes textuais do autor aparecem entre aspas.]
    Na província do Alentejo e zonas limítrofes imperavam as grandes popriedades (centenas de ha) e os latifúndios (milhares de ha). Os proprietários ou agrários, que se chamavam a si próprios de agricultores (muitos residindo em Lisboa e sem nada saber de agricultura) eram senhores todo-poderosos, sustentáculo dos regimes fascistas de Salazar e Caetano. Muitas herdades estavam incultas, ao abandono total ou parcial, sendo usadas como coutadas de caça dos donos e amigos. Os feitores é que escolhiam em reuniões na praça pública, «praça de jorna», quem iria trabalhar, quando, onde e qual o valor da jorna.
Ao dar-se o 25 de Abril os trabalhadores rurais tinham atrás de si uma longa história de lutas contra os «agricultores», incluindo greves. Em 1962 conseguiram conquistar as 8 horas de trabalho diário. A exemplo do que se passava nas fábricas, começam a aparecer desde 1945 as «comissões de praça», «de rancho» ou «de herdade». Eram dirigidas e orientadas pelo PCP com grande implantação no Alentejo e Setúbal.
    Em Maio de 1974 os trabalhadores formaram Comissões pró-Sindicato e pouco depois os Sindicatos de Trabalhadores Agrícolas (Beja, 2/6/1974). Em 16 de Junho é declarada uma paralização geral no distrito de Beja para reivindicar melhores salários e mais emprego. A paralização é total. Os agrários cedem. É assinada a «Convenção de Beja» que se torna referência para Convenções noutros distritos. Consagravam o direito ao trabalho de todos os trabalhadores, o que motivou a adesão maciça dos trabalhadores e abalou o poder dos agrários (o «nas minhas terras mando eu»). Estes respondem com boicotes e recusas em obedecer á lei. Fundam a ALA-Associação Livre dos Agricultores.
    Em Setembro de 1974 formam-se sindicatos distritais com apoio da CGTP. São apresentados à ALA e ao MFA em 20 de Setembro cadernos reivindicativos, propondo categorias profissionais, salários, transportes, períodos de férias, garantias de trabalho, obrigações dos agricultores. A distribuição dos desempregados pelas herdades não era aceite pela maioria do governo. «A agricultura tinha sazonalidades, o que era verdade, mas para o Sindicato não era menos verdade que as sazonalidades eram agravadas pelo modelo atrasado e subdesenvolvido que então caracterizava a agricultura no Alentejo. Havia muito trabalho para fazer, principalmente em muitas propriedades grandes e muito grandes.»
    A ALA recusou-se a aceitar a reivindicação de deixar trabalhar as terras incultas e mal exploradas. Tem lugar uma grande manifestação dos trabalhadores a 25 de Outubro de 1974. Com o apoio do Conselho da Revolução assinou-se nova Convenção que consagrava a colocação dos trabalhadores nas propriedades total ou parcialmente subaproveitadas, em número necessário para a exploração efectiva e rentável. Para tal constituiram-se Comissões Concelhias, com dois representantes dos agricultores e dois dos trabalhadores, que iriam verificar o estado das herdades e propor o número de trabalhadores efectivos e eventuais. Em dois meses foram colocados 1366 trabalhadores, só no distrito de Beja. Mas os boicotes dos agrários continuam. Vendiam o gado ou deixavam os animais a morrer à fome. Enterravam as azeitonas ou punham o gado a comê-las. Boicotavam as sementeiras, semeando sem adubo, fazendo as sementeriras erradas, etc. Promoviam despedimentos. Ameaçavam dirigentes sindicais. A tensão era constante. Chega a Beja o Secretário de Estado do Trabalho, Carlos Carvalhas (militante do PCP). Promove uma reunião em que pela firmeza da intervenção -- «o contrato colectivo de trabalho tem de ser inteiramente cumprido... o Governo adoptará todas as medidas necessárias contra os que resistam» -- os agrários se mostram conformados.
    Cumpriram só no imediato. A 10 de Dezembro de 1974 dá-se a primeira «ocupação» numa herdade de Beja cujo proprietário tinha sido membro destacado da Legião Portuguesa e da ANP. A ocupação consistiu simplesmente em que alguns trabalhadores, seguindo o parecer da Comissão Concelhia, entraram na propriedade e trabalharam na destruição do mato que cercava oliveiras e azinheiras. O proprietário, com acusações mirabolantes, apresentou um processo contra os trabalhadores, tendo como testemunhas o feitor e dois guardas florestais. A Justiça deu-lhe razão. (A Justiça, que esteve nas mãos de Salgado Zenha do PS, foi o sector que menos mudou com a revolução. Com péssimas consequências. Até hoje.) O Sindicato apela à Secretaria de Estado da Agricultura, pedindo a aplicação à agricultura de um decreto-lei de 25 de Novembro de 1974 relativo à nacionalização de empresas. Um despacho de 10 de Janeiro de 1975, assinado pelo Secretário de Estado do Trabalho, Carlos Carvalhas, e pelo Secretário de Estado da Agricultura, Esteves Belo (não era nem militante nem simpatizante do PCP; muito pelo contrário!), permite a aplicação do decreto à herdade, expropriando-a e entregando-a aos trabalhadores.
    Até 26 de Janeiro de 1975 são expropriados 10.541 ha, só no distrito de Beja. Começa a cumprir-se o objectivo patriótico de produzir, não deixando as terras ao abandono, e social, de dar emprego aos desempregados rurais, resolvendo um flagelo do Alentejo. Na manifestação congratulatória de 2 de Fevereiro em Beja estão presentes os secretários de estado do trabalho e da agricultura e representantes do MFA. «É um Secretário de Estado da Agricultura, pela multidão empolgado, que declara: “Não se pode admitir que haja terras incultas ou mal aproveitadas e trabalhos para realizar”, “todas as terras terão que ser devidamente trabalhadas para dar riqueza” [....] “o Estado realizará as expropriações para além de uma certa área” [...], ao mesmo tempo que garantia que “os pequenos e médios proprietários manterão a posse da sua terra e ser-lhes-ão fornecidos apoios para desenvolver a sua actividade”». São estas expropriações, justificadíssimas em nome do progresso social, expropriações legais e controladas, com concessão de reservas aos proprietários, que PSs, PPDs, CDSs e tudo que há de reaccionário chamavam de «ocupações selvagens». E conseguiram assustar com isso meio-mundo no Norte e Centro do país.
    Entre PSs, PPDs e CDSs, Mário Soares, o marxista, destacou-se pela sua feroz e fanática oposição à Reforma Agrária, a mais brilhante conquista «rumo ao socialismo». O PS não descansou enquanto não a destruiu, devolvendo o poder aos latifundiários, como iremos ver. A penúria regressou ao Alentejo, bem como as terras abandonadas, enquanto o país voltava a aumentar a importação de produtos agrícolas, nomeadamente de cereais. Situação que perdura até hoje.
    Os trabalhadores, dinamizados pelo PCP, não repousam. A 9 de Fevereiro de 1975 tem lugar a Primeira Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul que ajuda a consolidar e a perspectivar objectivos. Depois do 11 de Março é anunciado pelo governo um «Programa de Reforma Agrária» que determinava, entre outras matérias, em que condições seriam expropriadas as grandes propriedades, com uma garantia de 50 ha (ajustável) para os atingidos pela expropriação. Era Ministro da Agricultura Fernando Baptista, mais tarde Professor Catedrático do Instituto Superior de Agronomia, de quem José Soeiro diz que foi o único que esteve com a Reforma Agrária. A 27 de Junho as novas medidas estavam aprovadas e a aguardar promulgação. Foram criados Conselhos Regionais da Reforma Agrária. O Sindicato de Beja elaborou uma lista de 25 explorações a expropriar, todas de área igual ou superior a 2.500 ha. Note-se que 50 ha correspondem à área de 121 campos de futebol e 2.500 ha (um rectângulo de 100 m por 250 km!) a 6044 campos de futebol! A 11 de Agosto foram finalmente publicados (com data de 29 e 30 de Julho) os decretos-lei conhecidos como as «Leis da Reforma Agrária».
    A gritaria reaccionária contra as «ocupações selvagens» sobe de tom. Oficialmente, o PS afirma hipocritamente que está de acordo com a Reforma Agrária. Na realidade tudo faz para a torpedear e, mais tarde, para a liquidar.

Julho
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3/7. M. Soares diz em França ser impossível um programa comum do PCP  e PS
Mais uma vez o anúncio no estrangeiro do que ainda não diz em português, em Portugal.
7/7. Por causa da «manipulação da informação» Mário Soares ameaça paralisar todo o pais. Promove um encontro dos trabalhadores socialistas da informação.
A informação livre, controlada pelos trabalhadores, era demais para o PS. Irá na altura própria pô-la sob controlo de «senhores doutores» submissos aos interesses dos capitalistas.
11/7. O PS sai do governo invocando o «caso República».
Já vimos que o «caso República» teve início em 24 de Maio. O PS usa um pretexto para desestabiizar e pressionar o MFA.
11/7. PCP e MDP abandonam a sala da Assembleia Constituinte quando falava o deputado do PS António Arnault.
Arnault saíu-se com um discurso reaccionário, confuso e provocatório, em que se referiu à prisão em Maio, pelo MFA, do médico João Ribeiro.
18/7. O PS convoca grandes manifestações com o slogan «O Povo não está com o MFA».
Pressão sobre o MFA com encorajamento aos seus elementos de direita (como Vasco Lourenço).
18/7. Sucedem-se as intervenções provocatórias do PS e PPD na Assembleia Constituinte contra o PCP e MDP/CDE.
Sem comentários.
20/7. M. Soares num comicio do PS em Lisboa: «depois de uma intentona artificial, depois de uma falsa conjura feita com a intenção de enganar o povo, depois disso organizaram-se barreiras para impedir que o povo dos arredores de Lisboa, deputações do povo de Portugal viessem aqui manifestar-se [...] em favor da democracia,  do socialismo»
O PS tinha anunciado uma «marcha sobre Lisboa» com semelhanças inconfundíveis à da «maioria silenciosa». Em certos locais do país onde passava a «marcha», elementos do PCP, MDP/CDE e outros partidos, procuraram persuadir os socialistas a não embarcarem numa «marcha» de objecti-vos pouco claros. Soares, sempre amigo de Spínola, aproveitou para dizer que o «28 de Setembro» tinha sido uma «intentona artificial» e o 11 de Março uma «falsa conjura». Os factos evidentes de um e outro caso não lhe interessavam.
21/7. O PS, na «Marcha do PS sobre Lisboa» reclama um governo de unidade nacional e acusa o PCP de actos de terrorismo: «a esmagadora maioria do povo trabalhador de Portugal disse sim ao projecto do PS e rejeitou o projecto e os métodos do PC».
Nesta altura, as únicas vítimas do terror eram do PCP e do MDP/CDE: militantes premeditadamente agredidos e sedes incendiadas. Nunca os socialistas sofreram qualquer terror por mãos de elementos do PCP e do MDP/CDE. Não há uma única evidência disso.
24/7. «Spínola esteve em Paris com emissários do PS». M. Soares desmente.
Pois... O PPD também refuta notícias semelhantes. Ver abaixo o que diz Spínola.
28/7. M. Soares na Figueira da Foz: «MFA está a seguir a política das minorias [...] temos de dizer a todos que não nos confundam com a reacção. Nós não somos contra — somos por, o que nos interessa não são as palavras distorcidas. Queremos ajudar a caminhar para o socialismo. Somos por um governo de salvação nacional.»
Nesta altura, a ajuda do PS a «caminhar para o socialismo» é vada vez mais clara, pela negativa. E «ajudar» quem?
Quanto ao «governo de salvação nacional» iremos ver adiante que a única «salvação» praticada pelo PS foi a «salvação» dos monopólios e latifúndios.
29/7. Um comunicado do PS afirma querer «encontrar medidas de reconciliação nacional, um projecto económico de alternativa, um projecto económico de Reconstrução Nacional.»
A ideia da «salvação nacional» do PS teve eco no CR, nomeadamente na sua ala direitista, que, conforme é noticiado na altura, diz apoiar o «Poder Popular» e pensa numa «frente de unidade popular» do PS e UDP!

    A 1/7 são recapturados 19 dos pides fugidos de Alcoentre; a 2/7 são já 33 os pides que voltam à prisão, aumentando para 39 em 3/7. Cinquenta continuaram a monte, muitos para sempre, ajudando a montar os ataques bombistas e terroristas contra PCP e MDP/CDE que vinham tão a calhar ao PS, etc. A 1/7, trabalhadores progressistas reclamam o saneamento da Molaflex. A 2/7 o governo mandou entregar a Rádio Renascença ao episcopado, mas a ocupação mantém-se e a 4/7 o Conselho da Revolução propõe uma comissão administrativa que é recusada pelo episcopado (caso «Rádio Renascença»).
    Começa o terror do «Verão Quente» contra todos os progressistas: espancamentos e destruição de bancas nas escolas secundárias (3/7); destruída uma sede do MDP/CDE (20/7); incendiadas as sedes do PCP e FSP em Rio Maior por hordas reaccionárias armadas de mocas e comandadas por agrários. O Copcon, do «revolucionário» Otelo, condena os assaltos mas não faz nada (17/7). A 23/7, grupos minoritários e o PCP são violentamente atacados pelo PPD com apoio do PS. Em 31/7 a sede do PCP em Évora é alvo de atentado à bomba e é deitado fogo à sede do MDP/CDE na Anadia. Têm lugar muitos outros atentados, em particular contra o PCP (a 30/7 em S. João da  Madeira e vários no concelho de Leiria), que, apesar de todo o evidente planeamento e logística, são retratados como resultado da fúria espontânea das populações. Assinale-se que esta tese foi repetida por grupos e grupelhos esquerdistas que aplaudiram a violência da reacção contra os «revisionistas» de Cunhal.
    A 9/7 está reunida a Assembleia do MFA que faz «prolongada análise da situação política». A 10/7 a Assembleia pronuncia-se por dar poder às assembleias populares de moradores e de trabalhadores. Tudo num estilo vago, que não se concretiza em nada no terreno. Pronuncia-se também pelo apoio ao plano de acção política do CR e, a 21/7 reafirma o apoio ao governo remodelado de Vasco Gonçalves, abandonado pelos elementos do PPD a 17/7.
    No CR abrem-se clivagens relativamente ao «socialismo». A 14/7, a ala direitista -- Vasco Lourenço, Sousa e Castro, Vítor Crespo, Graça e Cunha – pronuncia-se pelo «Poder Popular»: «o povo criará ele próprio o seu socialismo». Tese para embalar meninos.
    Otelo, em visita a Cuba, admite que participará no V Governo Proviório (atoarda proferida a 29/7) e afirma a 30/7 que era necessário «dar à revolução uma verdadeira direcção politica» (a dele, claro). A 31/7, no regresso de Cuba, também proclamou que iria pôr os «reaccionários no Campo Pequeno» e que «ainda vou ter que falar com Mário Soares». Mais tarde, afirmaria a «O Século Ilustrado» de 4/10/1975, com a modéstia que se lhe conhece,  que «Podia ser um Fidel Castro da Europa». Assistiremos mais tarde às saídas de sendeiro deste leão.
    Quem sabia bem da contra-revolução em curso era Spínola, que disse assim a 30/7 ao Le Monde: «As manifestações de massas organizadas pelo dirigente Mário Soares podem conduzir a uma mudança de perspectivas em Portugal». Afirmava ainda estar agora mais optimista com o restabelecimento da democracia e que não desmentia as informações de que tinha tido encontros com membros do PS.

Agosto
4/8. M. Soares em Estocolmo: «o PS mantém a sua proposta de um governo de salvação nacional com participação do PS; só depende da substituição de Vasco Gonçalves por um elemento militar independente.» Diz a notícia que «a aceitação de Melo Antunes como PM não é descartada».
Para Soares, quem impedia a construção do socialismo era Vasco Gonçalves e a esquerda militar. O elemento militar independente, como Melo Antunes (!), teria, de facto, de ser um elemento dócil ao «socialismo» de Soares. Como virá a ser Pinheiro de Azevedo.
6/8. Lopes Cardoso, do PS, acusa o PCP e o MDP de abrir as portas à reacção. Diz que o assalto às sedes do PCP e do MDP são a cólera popular por causa do apoio à violência contra os socialistas. E «aquilo que observamos é as forças contra-revolucionárias aproveitando os erros cometidos pela revolução explorando a resposta demagógica do PCP e do MDP».
Lopes Cardoso era da ala esquerda do PS. Confirmaremos isso mais adiante. Mas o que é importante asinalar aqui é que estamos perante um brilhante exemplo de quão à direita é a «esquerda» do PS. A tese da «cólera popular» é a da direita. A «violência contra os socialistas» é pura invenção. E, «resposta demagógica do PCP e do MDP»? Demagógica, porquê? Será que diziam uma coisa e faziam outra? Como o PS? Quanto ao «abrir as portas à reacção» L. Cardoso parece não ver quem as está a abrir. É também cego à sistemática demagogia do PS.
8/8 «Carta dos Nove». Nove oficiais que se definem como «não-alinhados» escrevem uma carta aberta ao Presidente Costa Gomes onde afirmam «não à social-democracia e ao socialismo do leste».
A carta tem um tom ambíguo de «não a isto» e «não àquilo» e cheia de contradições e formulações vagas ao longo do texto. Enfim, a ambiguidade à PS que serve para mascarar as verdadeiras intenções, numa prosa que parece salvar o essencial dos objectivos socialistas. Para manter as ilusões populares.
A «Carta dos Nove» é um importante marco da evolução contra-revolucionária dentro do MFA. Abre, para sempre, uma cisão no MFA e na aliança Povo-MFA.
A partir daqui desenrola-se o processo de «morte anunciada» da revolução, que se consuma no 25 de Novembro de 1975, tendo como corolário a recuperação capitalista com a restauração dos monopólios e dos latifúndios.
A «Carta dos Nove» é filha do PS. Consagra as teses do PS e é elaborada pelos elementos do MFA conotados com o PS.
8/8. Carta de M. Soares: «trata-se de salvar a revolução comprometida por uma minoria. A revolução está a ser conduzida para o socialismo de miséria. [...] Nós, socialistas, que somos revolucionários [...] o que está em jogo são duas concepções diferentes de revolução: uma, democrática, aberta às novas experiêncas autogestionárias e de democracia de base desde que articulada pelo respeito pelo sufrágio univesal e com uma concepção pluralista do Estado; outra, totalitária, baseada numa aparelho autocrático e burocrático de partido único, liberticida, autárcico e concentra-cionário».
A carta de Soares destina-se a esclarecer a «Carta dos Nove».
Em nome do «Nós, socialistas, que somos revolucionários» Soares insinua que vai construir um socialismo autogestionário e «de democracia de base». Se o tivesse construído de certeza que teria tido o apoio do PCP, do MDP/CDE e de outros. Mas nunca o construiu nem nunca teve a intenção de o construir. Tratou-se de uma simples balela para enganar os ingénuos. Quanto ao socialismo totalitário, etc. (o papão já desactualizado do estalinismo), nada do que estava em curso era totalitário, não pluralista, liberticida, etc. Pelo contrário, foi o PS-PPD-CDS que construiram um Estado autárcico e de soberania alienada, super-burocrático, liberticida das liber-dades de 99% da população (mas com muitas liberdades para o grande capital, é certo) e, praticamente, de partido único: o partido tri-céfalo do «arco da governação».

    O Grupo dos Nove era constituído por: Melo Antunes, Vasco Lourenço, Pezarat Correia, Manuel Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves, Sousa e Castro, Vítor Alves, Vítor Crespo.
    Vasco Lourenço fala ao exército a 7/8, quando o Plano de Acção Política tinha sido aprovado por unanimidade no CR: «temos que passar a ser coerentes»; «temos que ver se se consegue neste país, de uma vez para sempre, colocar o PCP no seu lugar;  há também que ver se se transforma o PS num partido revolucionário, porque ele ainda não percebeu  que nós estamos numa revolução». (Esta de «transforma[r] o PS num partido revolucionário» parece do BE, não parece?).
    A 8/8, em conferência de imprensa, Freitas do Amaral espreitou bem o furo: propôs um governo formado pelo PS.

    Também a 8/8 Otelo e o tenente-coronel Carlos Fabião (pró-PS) vieram ao Norte estudar a onda de violência. Estudaram-na.