terça-feira, 9 de maio de 2017

Um passo histórico: a saída da Venezuela da OEA



A Venezuela saiu da Organização de Estados Americanos no passado 27 de Abril (anunciado a 26). É o primeiro país americano a dar este passo histórico, marcando a defesa da soberania e não sujeição às ingerências dos EUA.
   
A OEA é uma instituição criada em 1889 pelos EUA dentro do espírito da doutrina Monroe, para «justificar» a intervenção norte-americana nos assuntos internos de outros países do continente americano, incluindo o derrube violento de governos democraticamente eleitos que não sejam do seu agrado, com banhos de sangue de activistas populares. Coisa que os EUA fizeram repetidamente, com apoio de burguesias subservientes, instaurando as ditaduras mais repressivas e monstruosas que a história conhece: Rios Montt e outros na Guatemala, Batista em Cuba, os vários governos das ditaduras militares no Brasil, Videla e outros da Argentina, os Somoza na Nicarágua, os Duvalier no Haiti, Jimenez e Andrés Perez na Venezuela, Stroessner no Paraguai, Barrientos e Banzer na Bolívia, Trujillo na República Dominicana, Pinochet no Chile, etc., etc., etc.

Alguns países da OEA têm funcionado permanentemente como apêndices dos EUA. Entre eles enfileiram desde Estados que são uma espécie de plataforma de negócios dos EUA, como Guiana, Bahamas, Santa Lucia, Barbados, Jamaica, etc., até outros de burguesias extremamente reaccionárias que têm assumido um papel militante e nuclear de cães de guarda e praças de armas dos interesses americanos – isto é, dos monopólios americanos – na América Central e do Sul. É o caso do México, Colômbia e Honduras.
   
Actualmente, com o núcleo duro e estável EUA-Canadá-México-Colômbia-Honduras, alinham destacadamente os governos de direita do Peru, Brasil, Argentina, Uruguai, Panamá e Guatemala. O actual Secretário-Geral da OEA, Luís Almagro, do Uruguai, tem operado como um agente dos EUA, tomando a iniciativa de propor as manobras mais ingerencistas dos EUA, defendendo-as acerrimamente. O rancor deste energúmeno por tudo que cheire a defesa de soberania, a sua postura sistemática de arruaceiro fascista apelando à intervenção imperial em países soberanos, têm sido de tal calibre (ele até espuma pela boca!) que a suspeita de ser um agente pago pelos EUA salta imediatamente à cabeça.
   
A saída da Venezuela da OEA teria necessariamente – como tudo que vai contra as teses imperiais – de suscitar as maiores distorções nos media dos monopólios e seus subsidiários (como os principais jornais e canais de TV portugueses). Pensamos, por isso, ser de interesse apresentar aqui a tradução de uma peça da Telesur (cadeia de TV multi-estatal da Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e Uruguai; disponível na TV por cabo em Portugal) com anotações nossas entre parênteses rectos.
   
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O que os media dominantes não lhe dizem sobre a saída da Venezuela da OEA
Telesur, 26 de Abril de 2017
   
Durante semanas os media dominantes escalaram os seus ataques contra a Venezuela, iludindo os seus leitores sobre a actual agitação política. Hoje não é diferente.
   
A decisão [de sair da OEA] foi anunciada depois do Conselho Permanente da OEA ter aprovado uma convocação de ministros dos negócios estrangeiros [em Washington] para discutir a Venezuela [oficialmente, «para tratar da crise da Venezuela»] sem o acordo deste país. Houve 19 votos a favor de efectuar a reunião [Guiana, Bahamas, Santa Lucía, Argentina, Barbados, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Estados Unidos, Honduras, Guatemala, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai], 10 contra [Venezuela, Antigua e Barbuda, Bolívia, Dominica, Equador, Haiti, Nicarágua, San Cristóbal e Nieves, San Vicente e Granadinas, Suriname], uma abstenção e uma ausência.
    
Criticando a OEA por convocar a reunião, [a chanceler da Venezuela, Delcy] Rodriguez disse que a organização regional baseada nos EUA pretende criminalizar o governo e desestabilizar a democracia constitucional. Tais acções, afirmou, têm a intenção de facilitar uma mudança de regime e a intervenção estrangeira. O representante da Venezuela na OEA deu voz às preocupações de Rodriguez, acrescentando que os estados membros de direita estão a pressionar a Venezuela para que aceite uma ingerência nos seus assuntos internos.
   
Foi por estes motivos que a Venezuela decidiu sair da organização dos 35 países [permanece noutras, como a CELAC e ALBA]. Os media dominantes, porém, transmitem uma imagem radicalmente diferente da situação.
   
Os canais de notícias corporativos transmitem a ideia da saída da OEA como um esforço do governo para «se manter no poder» face aos protestos da oposição, mas não se limitam a isso. De facto, não noticiam os critérios dúplices da organização quanto a países de esquerda como a Venezuela, e o desrespeito que essa organização tem tido pelos abusos dos direitos humanos em países geridos por governos de direita.
   
Eis alguns exemplos:
   
A 3 de Abril a OEA realizou uma sessão extraordinária sobre a Venezuela, apesar das objecções da Bolívia, o país presidente pro tempore da organização. O representante boliviano da OEA, Diego Pary Rodriguez, arguiu que a sessão violava a soberania da Venezuela, dado que a organização regional estava a ingerir-se nos assuntos internos do país [o que é contrário aos estatutos da OEA].
A OEA, não obstante, avançou com a sessão sem a aprovação da Bolívia, nomeando a direitista Honduras como «presidente interino». Pary e os seus homólogos da Nicarágua, El Salvador, Dominica e Haiti condenaram esta acção por ser um «golpe institucional».
   
Nas semanas que antecederam e se seguiram à sessão de 3 de Abril, o Secretário-Geral da OEA Luis Almagro apelou a uma mudança de regime na Venezuela, apoiando a violência dos protestadores da oposição. O apoio de Almagro à intervenção estrangeira contra um governo democraticamente eleito levanta a questão da sua imparcialidade relativamente àquele país sul-americano.
   
Quando em 2014 os protestos da oposição custaram a vida a 43 pessoas, vários estados membros da OEA, como os EUA e o Panamá, atribuíram as culpas ao Presidente Nicolás Maduro, apelando à sua expulsão. Culparam Maduro apesar da maioria das mortes ter sido da autoria dos protestadores anti-governo.
   
Em 11 de Abril de 2002, quando o anterior Presidente Hugo Chavez foi temporariamente removido por um golpe da direita [«temporariamente» apenas porque o povo conseguiu derrotar os golpistas] a OEA ignorou o apelo de ajuda do governo socialista [democraticamente eleito, segundo os cânones da OEA]. A organização esperou dias [à espera de ver se o golpe vingava] até iniciar sessões sobre a tomada ilegal do poder. Quando acabaram por reunir já Chavez estava de novo no poder.
   
Os media dominantes também não noticiam a falta de acção da OEA relativamente aos abusos de direitos humanos cometidos em países com governos de direita.
   
No México, por exemplo, o Comité de Protecção dos Jornalistas noticiou que cinco jornalistas foram assassinados nas últimas oito semanas. Quatro camponeses que participaram na luta pelos direitos à terra foram mortos pela polícia; isto, só neste último mês. A taxa de assassinatos de mulheres no país tem vindo a aumentar.
   
Na Colômbia, 35 líderes da luta pela justiça social foram assassinados desde o início do ano, conforme noticiou a ONU. Contando apenas Janeiro e Fevereiro, 3.549 pessoas de cerca de 900 famílias foram deslocadas à força através da Colômbia, a maioria das quais indígenas e negros. Em 2016 foram cometidos 59 homicídios de advogados dos direitos humanos e um total de 11.363 pessoas de cerca de 3.000 famílias foram deslocadas à força.
   
Nas Honduras, centenas de activistas representando organizações de negros, indígenas, LBGTI, trabalhadores e camponeses foram sistematicamente assassinados desde o golpe que expulsou o presidente de esquerda Manuel Zelaya. Embora a OEA tenha temporariamente suspendido as Honduras depois do golpe [só «para inglês ver»], acabou por reintegrar o país apesar de saber da violência contra quem protestasse; violência sancionada pelo governo. Honduras foi considerado o país mais perigoso do mundo pelos defensores da terra e do ambiente da ONG Global Witness.
   
É bem claro que as atrocidades cometidas contra os direitos humanos em países de direita como o México, Colômbia e Honduras ultrapassam de longe tudo de que tem sido acusada a Venezuela [infundadamente acusada a Venezuela de Chavez e Maduro. Em antes deles houve, de facto, monumentais abusos contra os direitos humanos, como p. ex. os 396 mortos do «caracazo»]. Tendo isto em conta, um raciocínio fundamentado deveria questionar os critérios dúplices da OEA contra a Venezuela e a cumplicidade dos media dominantes na perpetuação de falsas narrativas.